sábado, 14 de novembro de 2009

Carta para alguém bem perto


Os pedalinhos eram daqueles de ferro, genuínos. Abria um sol também anos 50, dando ao lago uma iluminação de foto antiga.
- Chega!.
Bruno tinha pago por uma hora de aluguel. Nem cinco minutos haviam se passado e ela já se mostrava em frangalhos. Abandonou os pedais e colocou os pés para cima. Ele ainda tentou mover o barco sozinho, mas acabou desistindo.
- Chega também.
Ficaram à deriva algum tempo, no balançar das marolas. E Ariana foi se indignando - aquilo era um absurdo. Bruno deveria ser o seu veneziano, e pedalar aquela bosta.
- Eu pedalo se você pedalar.
Ele não disse nada - fingia admirar os prédios velhos, em volta. Ariana virou a cabeça para o outro lado, desafiada. Queria afirmar-se independente dele. Não precisava que ninguém pedalasse o pedalinho para ela. Tinha forças suficientes para atravessar aquele lago com dez gordos a bordo. Colocou os pés para dentro de novo e desatou a girar os pedais, esbaforida.
- Pára, Ariana.
Foi a vez dela responder
- Você quer virar essa porcaria?
- Estou quase gozando.
- O quê?
- Pedalar flexiona o meu clitóris.
- Isso não tem graça. Pára.
Ela percebe o constrangimento dele e continua. Mais rápida.
- Hum... Hum... Uma delícia...
- Pára com isso! Ficou maluca?!
Ela larga os pedais após um berro de prazer falso. Tomba para trás ofegante. E cai na risada. Bruno não ri. Gira o guidão 180 graus e volta a pedalar, de cara emburrada.
- Uma vez eu assisti à palestra de um sexólogo que dizia que qualquer movimento de tique, do tipo repetitivo, era masturbação.
Ele não fez observação a esta afirmativa. Estava cansado. Diria que estava exausto.
- Você nunca ficou ereto em ônibus?
- Como "ereto em ônibus"?
- Ué, todo os homens, que eu saiba, ficam excitados com o fremir do banco em seus culhões.
- Ah, me deixa em paz. Estou acabado.
Ariana voltou a pedalar. Juntos, seguiam para a terra firme.

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